Nesta semana em todo o país recordamos a
importância da consciência negra. Sim eu disse “recordamos” e não “celebramos”,
não festejamos a morte de Zumbi rei dos Palmares, recordamos sua luta, não
celebramos os açoites e prisões, descriminações, segregações disfarçadas e
mortes, recordamos que ainda há presente entre nós o mesmo espírito que destruiu
a vida de milhares para construir essa nação: o racismo.
Não fazemos festa de aniversário para os 322
anos da morte de Zumbi, fazemos deste momento pretexto para lembrarmos de
continuar sua luta, pois se em pleno século XXI discutimos o que é ou não
trabalho escravo é sinal que ainda há racismo. E não importa se falamos desta
cidade ou dos que ainda sofrem nas longínquas plantações no planalto central ou
na Amazônia, como dizia o pastor Dr. Martin Luther King Jr.: “a injustiça num
lugar qualquer é uma ameaça à justiça em todo o lugar.”
Recordamos também que não só de vozes
masculinas ecoou o grito de liberdade, e não me refiro à Princesa Isabel, que
levou fama às custas do sangue e suor de muita gente preta que deu sua vida
pelo sonho de ser livre. Eu falo de grandes mulheres que injustamente
permanecem ocultadas na história, mas que sem sua vida e luta não seria
possível chegarmos ao ponto que estamos hoje.
Jarid Arraes, escritora nordestina, nos lembra
que “Na prática, as consequências dessa ignorância são muito graves. Não aprendemos
que mulheres negras foram capazes de conquistas admiráveis ou que lutaram
bravamente, até mesmo em guerras contra a escravidão, e crescemos acreditando
na ideia de que as mulheres negras nunca fizeram nada de grandioso e nem
marcaram o país como outros grupos de pessoas. A tendência de muita gente é
associar a bravura, a inteligência e a estratégia somente a figuras masculinas,
sobretudo aos homens brancos, que são notavelmente mais registrados, memorados
e citados em aulas de História.”
Por isso lembramos hoje também de mulheres como
Aqualtune, princesa do Congo, comandou uma grande batalha no Congo contra o
Reino de Portugal, e presa e trazida para o Brasil juntou-se a resistência
negra em Palmares e com suas habilidades de guerra fortaleceu o quilombo. Mãe de Ganga Zumba, avó de Zumbi, sem dúvida
alguma não haveria 20 de novembro sem ela.
Dandara, princesa de Palmares e mulher de
Zumbi, dividiu a liderança com ele no quilombo, planejava estratégias
militares, lutava capoeira, organizava a vida produtiva e a agricultura da
comunidade. Uma mulher forte, morta numa ofensiva feroz a palmares, a imagem
dela é inspiração para todas mulheres negras do Brasil até hoje.
Tereza de Benguela, comandou um dos maiores
quilombos que se tem notícia, principal referência na luta contra os males da
colonização no Mato grosso. Talvez você não saiba, mas em sua homenagem o dia
25 de julho foi oficializado data comemorativa em seu nome e em nome de todas
as mulheres negras do Brasil.
Ou talvez você não conheça Maria Felipa, mais
que uma simples marisqueira, era mulher negra, forte, contribuiu para a
independência da Bahia e do Brasil liderando outras 40 mulheres a pôr fogo em
barcos portugueses na Ilha de Itaparica, e genialmente rendeu dois guardas e
deu-lhes uma surra de cansanção.
Talvez você conheça o Luiz Gama o grande
abolicionista, mas ainda não ouviu sobre sua mãe Luiza Mahin, mulher africana
de origem Nagô, participou da maior revolta negra do Brasil, a dos Malês, e
contribuiu para a Sabinada. Ela distribuía de sua barraca de quitutes em
Salvador bilhetes em árabe que apenas os negros sabiam ler, e dessa forma ajudou
na organização das revoltas no período regencial.
Ou você ainda não sabia que Antonieta de
Barros, filha de uma escrava liberta e um jardineiro, foi a primeira a ser
eleita para um mandato de deputada neste país. Usou a educação para cravar em
sua vida o fim da escravidão social e tornou-se jornalista, fundou em sua
própria casa uma escola de alfabetização, e mesmo tendo o mandato cassado no
golpe do Estado Novo voltou a se reeleger mais tarde.
Ou também ninguém tenha lhe apresentado a
literatura de Carolina Maria de Jesus, mineira radicada em São Paulo, era
catadora de materiais recicláveis. Quando o governo de São Paulo decidiu fazer
uma limpeza étnica do centro da cidade, foi levada para a favela do Canindé
junto com várias outras pessoas. Por conta disso começou a escrever seu
cotidiano na favela em diários feitos de cadernos que ela achava no lixo, o
conjunto de seus escritos resultou numa das maiores obras literária brasileira,
o livro Quarto de Despejo, traduzido em diversas línguas e distribuído pelo
mundo, onde denunciava o descaso do governo com o povo preto e pobre. Em seu
diário ela escreveu "Eu classifico São Paulo assim: O Palácio é a sala de
visita. A Prefeitura é a sala de jantar e a cidade é o jardim. E a favela é o
quintal onde jogam os lixos."
Não poderia deixar de falar também de Maria
Helena Luiza de Bairros, a quem tive a honra de conhecer pessoalmente. Doutora
em sociologia pela Universidade de Michigan, ex-ministra de promoção à
igualdade racial, nasceu em Porto Alegre, mas trilhou todo seu caminho de luta
pelo direito das mulheres negras aqui na Bahia. Um grande exemplo de caráter,
humildade e perseverança na luta pelos direitos do nosso povo.
Essas mulheres não brilharam apenas no passado,
são heroínas de hoje. Fico honrado de me espelhar em Dandara, Luiza Mahin,
Maria Felipa. Mais honrado ainda em encontrar em casa o exemplo de minha
esposa, mulher negra, advogada, bancária, quebra todos os dias estereótipos e
paradigmas, e mostra que apesar de ter muitas coisas contrárias, é possível se
afirmar como se é, e ter orgulho disso.
Lembramos hoje dessas mulheres, irmãs, mães,
filhas e esposas que nos lembram que África é mãe que não deixa seus filhos
sós.
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