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quinta-feira, 23 de novembro de 2017

Mulheres Negras

Nesta semana em todo o país recordamos a importância da consciência negra. Sim eu disse “recordamos” e não “celebramos”, não festejamos a morte de Zumbi rei dos Palmares, recordamos sua luta, não celebramos os açoites e prisões, descriminações, segregações disfarçadas e mortes, recordamos que ainda há presente entre nós o mesmo espírito que destruiu a vida de milhares para construir essa nação: o racismo.
Não fazemos festa de aniversário para os 322 anos da morte de Zumbi, fazemos deste momento pretexto para lembrarmos de continuar sua luta, pois se em pleno século XXI discutimos o que é ou não trabalho escravo é sinal que ainda há racismo. E não importa se falamos desta cidade ou dos que ainda sofrem nas longínquas plantações no planalto central ou na Amazônia, como dizia o pastor Dr. Martin Luther King Jr.: “a injustiça num lugar qualquer é uma ameaça à justiça em todo o lugar.”
Recordamos também que não só de vozes masculinas ecoou o grito de liberdade, e não me refiro à Princesa Isabel, que levou fama às custas do sangue e suor de muita gente preta que deu sua vida pelo sonho de ser livre. Eu falo de grandes mulheres que injustamente permanecem ocultadas na história, mas que sem sua vida e luta não seria possível chegarmos ao ponto que estamos hoje.
Jarid Arraes, escritora nordestina, nos lembra que “Na prática, as consequências dessa ignorância são muito graves. Não aprendemos que mulheres negras foram capazes de conquistas admiráveis ou que lutaram bravamente, até mesmo em guerras contra a escravidão, e crescemos acreditando na ideia de que as mulheres negras nunca fizeram nada de grandioso e nem marcaram o país como outros grupos de pessoas. A tendência de muita gente é associar a bravura, a inteligência e a estratégia somente a figuras masculinas, sobretudo aos homens brancos, que são notavelmente mais registrados, memorados e citados em aulas de História.”
Por isso lembramos hoje também de mulheres como Aqualtune, princesa do Congo, comandou uma grande batalha no Congo contra o Reino de Portugal, e presa e trazida para o Brasil juntou-se a resistência negra em Palmares e com suas habilidades de guerra fortaleceu o quilombo.  Mãe de Ganga Zumba, avó de Zumbi, sem dúvida alguma não haveria 20 de novembro sem ela.
Dandara, princesa de Palmares e mulher de Zumbi, dividiu a liderança com ele no quilombo, planejava estratégias militares, lutava capoeira, organizava a vida produtiva e a agricultura da comunidade. Uma mulher forte, morta numa ofensiva feroz a palmares, a imagem dela é inspiração para todas mulheres negras do Brasil até hoje.
Tereza de Benguela, comandou um dos maiores quilombos que se tem notícia, principal referência na luta contra os males da colonização no Mato grosso. Talvez você não saiba, mas em sua homenagem o dia 25 de julho foi oficializado data comemorativa em seu nome e em nome de todas as mulheres negras do Brasil.
Ou talvez você não conheça Maria Felipa, mais que uma simples marisqueira, era mulher negra, forte, contribuiu para a independência da Bahia e do Brasil liderando outras 40 mulheres a pôr fogo em barcos portugueses na Ilha de Itaparica, e genialmente rendeu dois guardas e deu-lhes uma surra de cansanção.
Talvez você conheça o Luiz Gama o grande abolicionista, mas ainda não ouviu sobre sua mãe Luiza Mahin, mulher africana de origem Nagô, participou da maior revolta negra do Brasil, a dos Malês, e contribuiu para a Sabinada. Ela distribuía de sua barraca de quitutes em Salvador bilhetes em árabe que apenas os negros sabiam ler, e dessa forma ajudou na organização das revoltas no período regencial.
Ou você ainda não sabia que Antonieta de Barros, filha de uma escrava liberta e um jardineiro, foi a primeira a ser eleita para um mandato de deputada neste país. Usou a educação para cravar em sua vida o fim da escravidão social e tornou-se jornalista, fundou em sua própria casa uma escola de alfabetização, e mesmo tendo o mandato cassado no golpe do Estado Novo voltou a se reeleger mais tarde.
Ou também ninguém tenha lhe apresentado a literatura de Carolina Maria de Jesus, mineira radicada em São Paulo, era catadora de materiais recicláveis. Quando o governo de São Paulo decidiu fazer uma limpeza étnica do centro da cidade, foi levada para a favela do Canindé junto com várias outras pessoas. Por conta disso começou a escrever seu cotidiano na favela em diários feitos de cadernos que ela achava no lixo, o conjunto de seus escritos resultou numa das maiores obras literária brasileira, o livro Quarto de Despejo, traduzido em diversas línguas e distribuído pelo mundo, onde denunciava o descaso do governo com o povo preto e pobre. Em seu diário ela escreveu "Eu classifico São Paulo assim: O Palácio é a sala de visita. A Prefeitura é a sala de jantar e a cidade é o jardim. E a favela é o quintal onde jogam os lixos."
Não poderia deixar de falar também de Maria Helena Luiza de Bairros, a quem tive a honra de conhecer pessoalmente. Doutora em sociologia pela Universidade de Michigan, ex-ministra de promoção à igualdade racial, nasceu em Porto Alegre, mas trilhou todo seu caminho de luta pelo direito das mulheres negras aqui na Bahia. Um grande exemplo de caráter, humildade e perseverança na luta pelos direitos do nosso povo.
Essas mulheres não brilharam apenas no passado, são heroínas de hoje. Fico honrado de me espelhar em Dandara, Luiza Mahin, Maria Felipa. Mais honrado ainda em encontrar em casa o exemplo de minha esposa, mulher negra, advogada, bancária, quebra todos os dias estereótipos e paradigmas, e mostra que apesar de ter muitas coisas contrárias, é possível se afirmar como se é, e ter orgulho disso.

Lembramos hoje dessas mulheres, irmãs, mães, filhas e esposas que nos lembram que África é mãe que não deixa seus filhos sós.